Artigos › 09/04/2020

O amor é mais forte que a morte

As celebrações da Semana Santa e da Páscoa, neste ano, acontecem num momento especial de nossa vida comum e da vida da Igreja. A pandemia do coronavírus obrigou as pessoas a ficarem em casa, evitando aglomerações; as igrejas ficaram vazias para as celebrações e os ritos da Semana Santa e da Páscoa, para não expor o povo aos riscos do contágio.

Nessas circunstâncias, os ministros da Igreja estão celebrando em privado, com um mínimo indispensável de ajudantes, com transmissão pelas mídias sociais e pelos vários meios de comunicação. Esta é uma forma criativa que as atuais técnicas de comunicação nos possibilitam, para oferecer às pessoas a possibilidade de se unirem à Igreja em oração e escuta da Palavra de Deus.

Até poucas semanas atrás, não imaginávamos ter que chegar a este ponto, mais ainda nas celebrações da Páscoa, momento central e mais alto da Liturgia e da celebração da fé. Muitas pessoas têm dificuldades em aceitar esses limites das circunstâncias atuais, que recomendam cuidados muito especiais em relação à saúde, sobretudo daqueles que fazem parte dos grupos de maior risco: os que já estão doentes, as pessoas com baixa imunidade e os idosos. Por isso, as medidas prudenciais drásticas estão justificadas, mesmo sendo penoso ter que acompanhar as celebrações da Páscoa a distância.

Também o Papa Francisco, no Vaticano, está celebrando a Semana Santa e a Páscoa sem a participação de povo e com a transmissão das celebrações para o mundo por meio das diversas mídias. Ele está dando o exemplo de como é preciso cuidar do precioso dom da vida e da saúde, e a Igreja tem essa preocupação, não apenas em relação aos seus próprios ministros, mas em relação a todo o povo. A Campanha da Fraternidade de 2020 trata, justamente, da vida, “dom de Deus e compromisso de fraternidade”. O cuidado com a vida, não apenas da própria vida, mas também da vida dos outros, depende de cada um e representa um compromisso de fraternidade.

Diante dos noticiários que, constantemente, relatam a evolução da pandemia no Brasil e no mundo, muitas pessoas vivem preocupadas, temendo pela própria saúde e pela das pessoas que lhes são caras. Esse temor não é exagerado e ajuda a fortalecer as medidas de prevenção. Não se deve subestimar o risco de contágio, mas seguir as orientações das autoridades sanitárias. Quem não cuida de sua própria saúde corre o risco de expor também a saúde de outras pessoas.

A vivência da fé, mediante a oração, a escuta e acolhida da Palavra de Deus, é de grande ajuda neste tempo de pandemia. É importante reconhecer a própria fragilidade, ser humilde e recorrer à proteção e ajuda de Deus. Esta crise está nos proporcionando uma ocasião para a conversão a Deus e aos caminhos do Evangelho. Ninguém deve se considerar autossuficiente, nem imune aos males que nos circundam. Precisamos da ajuda e da proteção de Deus.

A celebração da Paixão de Cristo nos traz as palavras do profeta Isaías: Ele “era desprezado, homem coberto de dores, cheio de sofrimentos… A verdade é que Ele tomava sobre si as nossas enfermidades e sofria, Ele mesmo, as nossas dores” (Is 53,3- 4). Jesus Cristo, o Filho de Deus, assumiu nossas dores e enfermidades humanas e deu um sentido a tudo isso. Humanamente, não conseguimos encontrar uma explicação para o sofrimento, mas temos a certeza de que não estamos sozinhos na doença e no sofrimento. Ele carregou sobre si essas nossas fragilidades e nos dá forças para as carregarmos também.

E Jesus foi ainda mais além: aceitou o sofrimento da humilhação, do desprezo e da injusta condenação à morte. Não precisava fazê-lo, mas quis livremente assumir tudo isso, para se colocar ao lado de todos aqueles que, em todos os tempos e lugares, sofrem assim também. E, para lhes dar a certeza de que não estão sozinhos, Ele estende-lhes a mão salvadora e ajuda a carregar suas dores e cruzes. A Páscoa nos recorda que o amor extremo de Jesus é a força que vence todo mal e nos ajuda a superar nossas dores e sofrimentos. Jesus não foi vencido pelos males, mas foi vencedor desses males, como mostra a sua ressurreição gloriosa. O amor é mais forte do que a morte e a vida triunfa, graças ao amor misericordioso de Deus.

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 08/04/2020

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